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domingo, 11 de maio de 2014

Mendigos - Párias ou Heróis da Cultura

Qual a sua profissão? Nenhuma.  Desculpe eu quis dizer “modo de vida”, de “sobrevivência”, de “ganhar a vida”.  Ah, ah, ah, as palavras sempre atrapalhando o mundo não é? Veja bem: eu não tenho um “modo de vida”, eu não sobrevivo e nem “ganho a vida”. Eu simplesmente me deixo ficar a margem e a beira de tudo. Sou como uma lesma amassada contra a parede... posso permanecer meses e até séculos lá, sem alterar meu gesto, sem com que isso o mundo altere uma virgula de sua inutilidade...



O capital, a riqueza, a escolaridade, a estética, as maneiras de bem viver e a finesse aristocrática simulada por grande parte de nossos diplomatas, ministros, presidentes e outros caipiras do gênero, não suporta nem por um minuto o olhar de um desses lobos desgarrados que, com suas mãos idênticas às garras de um javali, remexem a porcaria das patentes, as sobras das mansões, o lixo que desce pelo ¨esôfago¨ dos luxuosos edifícios onde habita a sociedade "sóbria" e "trabalhadora".

Mendigos: Párias ou heróis da cultura? II. (Reedição de livro, p. 45)
Estamos definitivamente numa estação de pau-a-pique em que as noites chegam sinistras, repletas de profecias e de relâmpagos, de lampiões moribundos prestes ao desaparecimento. Matilhas de famintos, a filharada de Caim, espectros e vultos fedorentos que se esgueiram sisudos sob as àrvores e junto às muralhas murmurando obsessivamente as duas últimas linhas do badalado verso de Baudelaire em favor de nosso errante diabólico:

Cheiro de querozene, piolhos e pele descamada. Trazendo um Caim, um Drácula e um Frankenstein sepultados dentro de si a escória vem marchando da escravidão do latifundio para as vilas e para as cidades em busca de restos de comida, de uma bala perdida ou de um Serial Killer. Gira em aspiral ao redor de si mesma, dos muros citadinos e pelas cercanias das magestosas catedrais e de seus campanários farejando um esconderijo onde cuspir, vomitar e cagar sua exclusão, sua lepra, sua esquistossomose e principalmente sua feiúra que nada neste mundo dissipará. Tudo infinitamente mais grave do que a velha e sectária idéia de luta de classes. Descobre as marquises e os fundos de terrenos baldios e se resigna sob o estigma da escória cainesca, da maldição metafísica transmutada em maldição social. Com a tatuagem de uma víbora na garganta é a autêntica obra divina arrastando
as tripas de lá para cá enquanto, com olhar súplice, roe sua culpa e soleniza sua longevidade.
Réplica e clone de tudo o que é abominável, de tanta miséria, penúria e escassez, não tem
competência nem forças para, como sugere Baudelaire, pelo menos subir aos céus e enxotar de lá o Criador. A cada anoitecer se amontoa como pode a espera de que alguém da janela vizinha lhe aponte uma espingarda ou que alguma estrela vagabunda despenque sobre seu crânio e coloque um fim ao seu flagelo e ao seu único crime, o de haver resistido aos nove meses uterinos e o de haver nascido.

Mantendo a distancia conveniente, observo o traste que com seus olhinhos esverdeados de coruja descansa numa escada do jardim e apodrece – como diz Derrida – entregue à voracidade roedora, ruminante e silenciosa do animal-máquina com a sua lógica implacável.[3] De tempos em tempos beija uma cruz que leva amarrada ao pulso e resmunga uma oração breve, de apenas uma ou duas frases.
De onde advém essa paixão humana pela ficção? Pobre diabo, não teve ainda a capacidade de compreender que um deus que coloca uma doença no corpo de um crente – parafraseando a Bret Harte – certamente não se comoverá com suplicas e com orações. A barba, os cabelos, as sobrancelhas e os pêlos que emergem de suas narinas e de seus ouvidos parecem ter a função de ocultar um teorema ou a tal “marca de Caim” que está em todas as partes desse corpo condenado, como um sifão, à precariedade.

http://eziobazzo.blogspot.com.br/2009/10/mendigos-parias-ou-herois-da-cultura.html

O dragão pousou no espaço

O dragão pousou no espaço traz sete histórias clínicas de pacientes com distúrbios psiquiátricos tratados por Wanderley tendo como filosofia a terapia baseada nas experiências de Lygia Clark. Esta acreditava no poder de uma arte interativa e plurissensorial, capaz de reconstruir o mundo por meio da sensibilidade, reinventando a relação original entre arte, espectador e ciência. Nesse contexto, não existe, portanto, nem o espectador (chamado de participante) nem objeto, mas sim uma confluência sensível que anula o mito do criador e abre a consciência para um novo plano de apreensão da vida.

Lygia, a princípio, atuou de maneira interdisciplinar, aliando a linguagem clássica da psiquiatria à criação dos objetos interativos num método alternativo. Mais tarde, desenvolveu uma terapia independente, que chamou de Estruturação do Self. Os Objetos Relacionais, ferramentas da Estruturação, eram instalações táteis, móveis, manipuláveis, de simples execução, com diferentes texturas, formatos e cores, aplicados no corpo do paciente, e que estabeleciam uma oportunidade de contato simultâneo com o mundo interno e externo. Os resultados, dos quais Lula extrai considerações que reforçam a idéia de uma psiquiatria mais participativa, são animadores do ponto de vista clínico.

A arte, portanto, pode ser eficaz na cura dos distúrbios, na medida em que o espectador–paciente sai da condição passiva e ajuda na criação de uma linguagem orgânica que revela a natureza da realidade. Os Objetos Relacionais proporcionam uma nova dimensão que toca a subjetividade e a fantasia, recondicionam a percepção e conseqüentemente melhoram a condição social do indivíduo que se submete à Estruturação.

Nesta obra, Lula explica detalhadamente os princípios da terapia, num estudo não-acadêmico, ilustrado com depoimentos reais e poemas dos pacientes, colhidos em nove anos de anotações espontâneas dos tratamentos que ministrou, além de descrever os avanços do seu trabalho. chamado Palavragesto e o processo de criação do Espaço Aberto no Tempo, uma clínica para doentes mentais mantida por ele e demais psiquiatras.

EXÍLIO NA ILHA GRANDE


Prisões arbitrárias, exílios e torturas infindáveis. Esse era o universo instalado no Brasil pela ditadura militar, iniciada com o fatídico golpe de 1964. Várias foram as vítimas. Muitas delas denunciaram as ações de seus algozes por meio de relatos fantásticos e dolorosos em certo aspecto. André Torres, através do livro Exílio na Ilha Grande, faz o mesmo, sem se preocupar em citar nomes, mas descrevendo fielmente a duríssima vida em Ilha Grande, onde estava preso como rebelde subversivo. A descrição não se resume aos seus pares de carceragem ou aos pátios tristes das celas na ilha, mas também de seus arredores, externamente. A mata fechada que cercava impiedosamente a detenção e o mar, demasiadamente abarrotado de cações sanguinários – pior das barreiras naturais impostas aos pretensos fugitivos da ilha – os separavam do continente. Pior. Ainda havia os moradores nativos, que não relutavam em contribuir com o aparelho, denunciando – e em alguns casos, espancando – os fugitivos. Por fim, existia o medo do castigo por parte dos carcereiros. Como se vê, as adversidades para a concretização de uma fuga bem sucedida eram muitas.
Todavia, cheio da impavidez da juventude, o protagonista resolve arriscar. E não foi a primeira vez. A diferença e que agora, pareceu dar certo. Fugiu aos trancos e barrancos, suportando adversidades inimagináveis, o que lhe enchia ascendentemente de orgulho e coragem. A prova de fogo foi a perigosa travessia do mar rumo ao continente. Agora, naquela ocasião, os inimigos deixaram de ser os carcereiros, passando a ocupar tal posto os vorazes cações. O jovem se safa. Chega ao continente onde conhece um grupo suspeita.
A saga de André não pára aí. Torres mantém a sua postura rebelde, o que gera uma continua tensão nas páginas do livro. 

Se Me Deixam Falar

O livro "Se Me Deixam Falar" faz juz ao nome ao retratar a vida de Domitila, mulher, pobre, descendente de indígenas e esposa de um minerador, durante a ditadura militar no interior da Bolívia.

Os mineradores dessa época recebiam uma casa de dois cômo
dos para morar com a família, independente de quantas pessoas fossem, eram também obrigados a comprar os alimentos e utensílios da própria empresa em que trabalhavam, uma completa injustiça com aqueles que movimentavam a economia do país. Com o regime militar a situação piora, já que qualquer demonstração de indignação é duramente reprimida. As doenças entre os trabalhadores eram comuns, sendo a principal o "mal da mina", doença respiratória causada pela falta de equipamento de proteção e pelo excesso de poeira.
Domitila tem uma infância difícil, mostra uma força sobrenatural ao resistir à violência física e à pressão psicológica sem abandonar seus ideais e qualidades. Como os maridos trabalhavam o dia todo e as mulheres ficavam responsáveis pelas "casinhas" e os filhos, foi organizado um sindicato das donas-de-casa, que permitiu a elas discutirem e repensar a situação de exploração em que viviam, tirando ali, movimentos contra a empresa.




A Revolta da Chibata

O livro do jornalista Edmar Morel, A Revolta da Chibata, é baseado na coleta de documentos, relatos de João Cândido, marinheiros e oficiais da Marinha, remonta a saga dos marujos que aboliram a chibata dos navios brasileiros. Levou dez anos para ser concluído, foi publicado pela primeira vez em 1958.


A Revolta da Chibata foi um importante movimento social ocorrido, no início do século XX, na cidade do Rio de Janeiro. Começou no dia 22 de novembro de 1910.  
Neste período, os marinheiros brasileiros eram punidos com castigos físicos. As faltas graves eram punidas com 25 chibatadas (chicotadas). Esta situação gerou uma intensa revolta entre os marinheiros.
Causas da revolta 
O estopim da revolta ocorreu quando o marinheiro Marcelino Rodrigues foi castigado com 250 chibatadas, por ter ferido um colega da Marinha, dentro do encouraçado Minas Gerais. O navio de guerra estava indo para o Rio de Janeiro e a punição, que ocorreu na presença dos outros marinheiros, desencadeou a revolta.
   O motim se agravou e os revoltosos chegaram a matar o comandante do navio e mais três oficiais. Já na Baia da Guanabara, os revoltosos conseguiram o apoio dos marinheiros do encouraçado São Paulo. O clima ficou tenso e perigoso.
   O líder da revolta, João Cândido (conhecido como o Almirante Negro), redigiu a carta reivindicando o fim dos castigos físicos, melhorias na alimentação e anistia para todos que participaram da revolta. Caso não fossem cumpridas as reivindicações, os revoltosos ameaçavam bombardear a cidade do Rio de janeiro (então capital do Brasil).
   Diante da grave situação, o presidente Hermes da Fonseca resolveu aceitar o ultimato dos revoltosos. Porém, após os marinheiros terem entregues as armas e embarcações, o presidente solicitou a expulsão de alguns revoltosos. A insatisfação retornou e, no começo de dezembro, os marinheiros fizeram outra revolta na Ilha das Cobras. Esta segunda revolta foi fortemente reprimida pelo governo, sendo que vários marinheiros foram presos em celas subterrâneas da Fortaleza da Ilha das Cobras. Neste local, onde as condições de vida eram desumanas, alguns prisioneiros faleceram. Outros revoltosos presos foram enviados para a Amazônia, onde deveriam prestar trabalhos forçados na produção de borracha. 
   O líder da revolta João Cândido foi expulso da Marinha e internado como louco no Hospital de Alienados. No ano de 1912, foi absolvido das acusações junto com outros marinheiros que participaram da revolta.
   Podemos considerar a Revolta da Chibata como mais uma manifestação de insatisfação ocorrida no início da Republica. Embora pretendessem implantar um sistema político-econômico moderno no país, os republicanos trataram os problemas sociais como “casos de polícia”. Não havia negociação ou busca de soluções com entendimento. O governo quase sempre usou a força das armas para colocar fim às revoltas, greves e outras manifestações populares.


...lá estava o último soldado...

A noite era fria, sentado na beira do lago, esperando chegar a tempestade que se aproximava com voracidade, a esperança não sei se ainda fazia parte dos seus sonhos; Talvez ele esperasse dignidade ao menos na hora da sua morte, sem saber ao certo, virou-se à direita e fixando os olhos no crânio ao seu lado, buscava explicação para a dor que já não sentia, tinha em punhos sua inseparável e cortante baioneta, faltavá-lhe coragem para cravá-la ao próprio peito, não havia mais tempo para sorrir ou escapar, sentado ele clamava pelos dias em que ainda existia a vida humana!
Lá estava o último soldado, o último ser humano, rodeado por ossos de seus companheiros e inimigos, chorou ofegante até o último momento de sua existência, foi a última lágrima humana que se teve conhecimento e do último sorriso: não há lembrança!