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quinta-feira, 19 de junho de 2014

...governo (ou desgoverno) e sempre pela força.





Eu estou cansado de saber disso, mas a maioria não se convence que sem governo é melhor.
Desde criança sinto um eterno zumbido no ouvido de que o governo não presta.
Hoje estou com perto de 50 anos e o zumbido de que o governo não presta aumentou.
Que diabo! Uma coisa que não presta bota-se fora, não se deve aceitar!
Mas aí quem poderia governar-se por si?
Eu!... Eu mesmo podia me governar muito bem. Por que não?
Ora essa! Então não sei me dirigir por mim mesmo?
O governo fornece-me algumas muletas? Faltaria só isso! Não saber me governar! É o que venho fazendo há cinqüenta anos! Pois os animais se governam muito bem por si, quanto mais um de nós que tem mais recursos e mais fácil o pão.
Vamos ser razoáveis. Sempre dispensei e dispensaria perfeitamente o governo.
Nunca o consultei para nada, nem lhe solicitei ou recebi dele qualquer favor ou benefício.
O governo, o Estado, é que não procede reciprocamente comigo.
Mete-se em todos os meus negócios, atrapalha-me de todo jeito, quer saber quanto ganho, o que faço, de que vivo, e tira de mim o lucro do meu trabalho em licenças e impostos, em nome de instituições que eu não conheço, deixando-me só o que preciso para não pedir esmola.
Posso eu sozinho me opor à vontade do governo?? Não!? E por quê?
Impele-me pela força armada. Aí é que está.
Mas não digam que não saberia conduzir-me sem governo. Não sou só eu que não quero, somos todos.
Por que é que se formam partidos políticos de todas as cores? Não é para combater o governo? Aliança Liberal, o Partido Democrático, o Partido Católico, o Partido Socialista, o Partido Comunista e Cia., não são ou foram contra o governo? O governo não presta.
Como vedes não é só o anarquista que não quer governo, somos nós todos. Vamos então ser sinceros: quem é que gosta de ser governado? Além de tudo, o governo é um ente escravo de si mesmo, e quais garantias têm os governantes? As mesmas dos governados. O pau que dá no Chico dá na Joana! O governo é uma coisa tão absurda que não garante nem a si.
Tudo é questão de palavras. Estou convencido de que todos querem o mesmo que eu quero, só que à maioria falta a coragem de assumir a responsabilidade das próprias convicções e perder o amor aos privilégios (e muletas e esmolas) adquiridos e nada mais.
Mas que o governo garanta alguma coisa de perene e eterno, todos estão cansados (como nós) de saber que isso é mentira, que o governo não garante coisa nenhuma, pois até ele é provisório e passageiro como uma estrela errante.
Por isso digo-vos: o governo não presta! E com igual razão os da última moda: bolchevista ou comunista, fascista ou socialista. Os nomes pouco importam. É que constituem um só conteúdo, uma coisa só: governo (ou desgoverno) e sempre pela força.







Armandinho
Texto publicado no periódico A Plebe, abril de 1933